Novo Blog


Acesse o novo blog DENIS CRUZ - EDUCAÇÃO. O blog é especialmente destinado para educadores e contém Projetos de Leituras dos livros e contos de Denis Cruz.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Letras antigas - um conto de Denis Cruz


Com a porta batendo forte atrás de si, Patrícia se jogou na cama, afundando o rosto no travesseiro que lhe enxugava as lágrimas.

- Eu te odeio! Eu te odeio! - dizia ela com a voz abafada.

No outro quarto, no extremo do corredor daquela casa, Rui estava sentado na cama, cotovelos apoiados nas pernas e mãos espalmadas no rosto, encharcadas em lágrimas que, com relutância, foram derramadas.

"Homem não chora!", alguém disse quando ele era criança. De fato, não estava acostumado a chorar; ninguém, em algum momento de sua história, lhe contou como um homem deveria fazer quando sentisse dor.

Igualmente, não sabia como vencer aquela situação. Até leu bons livros sobre o assunto. Mas agora estava na linha de frente. "No fogo cruzado", pensou.

- Meu Deus - disse baixinho, - não sei como lidar com minha filha.

Em seu quarto, a adolescente Patrícia remoia sua raiva, se afundando no travesseiro e soluçando ainda mais alto.

- É tão simples - disse consigo mesmo. - Eu não ia fazer nada.

Sentou-se na cama e olhou sua Bíblia sobre o criado.

- A culpada é você! - esbravejou agarrando-a com uma das mãos. - É por sua culpa que meu pai me diz tantos "nãos".

Jogou o Livro contra a parede. Patrícia ouviu primeiro o estalo da capa e depois o farfalhar estatelando ao chão. A Bíblia caiu com as páginas amassadas para baixo e a capa negra para cima. Papéis, que desde sempre estavam ali dentro, se espalharam por todos os lados, mas um deles parecia em evidência, retribuindo o olhar da garota.

Não com a repulsa de sua filha, Rui também pegou uma Bíblia. Folheou-a com carinho. Em silenciosa oração, procurava orientação. Queria um daqueles versos milagrosos, bálsamos da alma para momentos difíceis, mas nenhum lhe ocorria à mente.

Passava os olhos pelas páginas finas como seda. Se pudesse enxergar além do véu do sobrenatural, veria um anjo folheando a Bíblia junto dele ou soprando as páginas para um lugar seguro. Mas o anjo, naquele momento, não apenas o conduzia para qualquer versículo escrito por profetas; o levava para 1 Coríntios 13, mas Rui, além de sorrir quando leu "se não tiver amor, nada serei", notou letras antigas, escritas com mãos de criança, assinaladas no rodapé daquele capítulo.

Uma tinta azul, já fundida ao papel há muito tempo, dizia "PAPAI, EU TE AMO!"

Rui não sabia que, naquele mesmo momento, Patrícia se levantava da cama e se abaixava para recolher a Bíblia e os papéis espalhados.

Ela a fechou com carinho, como se estivesse pedindo desculpas; arrumou as páginas amassadas e pegou um pequeno cartão que há pouco ficara em evidência. Era um marca-página, com o desenho de um garotinho e o texto escrito pelo apóstolo Paulo: "Se não tiver amor, nada serei."

- Ele devia confiar mais em mim - disse Patrícia sentando ao chão, com a Bíblia e o papel no colo.

A garota não sabia, mas não era uma questão de confiança. Era preservação paterna, um cuidado de quem ama de verdade. Rui não tinha medo de que Patrícia fizesse, deliberadamente, coisas que aprendera não serem aceitáveis por Deus. Foi bem instruída em sua religião e o pai sabia que sua garota não só conhecia, como amava os ensinamentos divinos.

"Dizer não também é uma prova de amor." Por diversas vezes Rui falou essa frase. Apesar de confiar, aquele pai não podia expor sua filha a situações que, em sua juventude, talvez não tivesse forças para superar.

Patrícia virou o pequeno cartão e leu a caligrafia rústica do pai: "Filha, não corra para muito longe, ou vou sentir saudades. Eu te amo."

Colocou a Bíblia de volta no criado, levantou-se e abriu a porta. Do outro lado, o pai repetia o gesto e saía do quarto.

Os dois se olharam. Rui ainda receoso sobre a compreensão ou não de seu gesto. De fato, Patrícia ainda não compreendia a dimensão de seu cuidado.

- Eu não te odeio - disse ela com voz rouca e as palavras reverberaram timidamente nas paredes daquele corredor.

Rui sorriu.

- Eu amo você e... - ele disse, mas a filha o interrompeu.

- Eu sei - Patrícia mudou a voz para um timbre mais grosso e fez uma certa careta, tentando imitar o pai para dizer: - E um dia você vai compreender.

O pai abriu os braços e a garota correu para ele, se aninhando por ali.

Tinham palavras para dizer um ao outro, mas tudo o que poderiam falar, letras antigas já haviam grafado em algum lugar.

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails

Banners